Uma amiga minha peruana publicou hoje no seu Instagram a foto que você vê aqui embaixo, tirada em 2016, onde ela está segurando minha filha, na época com apenas 1 ano de idade, na frente do Museu Nacional.
Eu não me lembro de ter chorado olhando algo na tela do smartphone, então acho que essa foi a primeira vez.
O que poderia ser apenas a foto de uma boa lembrança, da visita de uma amiga querida, da minha filha ainda tão pequenininha, de uma agradável tarde de domingo na Quinta da Boa Vista, se transformou num mar de melancolia com o fato ocorrido ontem, dia 2 de setembro de 2018, o dia em que o Museu Nacional virou cinzas.
Ontem mesmo, enquanto o Museu ainda queimava, eu pensei em escrever algo com tom de revolta aqui, mas eu mesmo já estou cansado de ver a Internet sendo usada para discursos inflamados. Achei melhor trabalhar essa perda de forma social, compartilhando com você que prestigia esse blog a minha história particular com o local.
Como praticamente toda criança criada no subúrbio do Rio de janeiro, eu visitei o Museu Nacional pela primeira vez através de uma excursão escolar. Eu devia ter uns 8-9 anos, e mesmo depois de 30 anos, ainda me lembro desse dia.
Obviamente, são memórias muito nebulosas, daquelas que vão se apagando com o passar dos anos. Mas de uma coisa eu me lembro bem: o esqueleto de uma baleia jubarte.
Esse esqueleto grandioso, quase assustador, me impressionou de tal forma naquele dia, que gerou um sonho que me acompanharia por toda a vida: ver de perto uma baleia em alto mar.
Muito tempo passou, o tal esqueleto deixou o Museu (depois retornou, depois deixou de novo), e nesse tempo eu tentei algumas vezes realizar o meu sonho de infância, sem sucesso (não é fácil se adequar às agendas de uma baleia).
Na verdade, com o tempo eu fui percebendo que o “ver uma baleia de perto” era, no final das contas, muito mais uma metáfora valiosa para realizar coisas grandiosas durante a minha vida, do que estar com o animal em si, e que o Museu fez o seu papel crucial de equipamento cultural ao gerar essa faísca em mim.
Acho que você já entendeu onde quero chegar.
Minha segunda ida ao Museu só aconteceu quase 30 anos depois, no dia em que foi tirada a foto que ilustra este texto. Lembro claramente de ficar muito envergonhado na ocasião, pois como anfitrião, não estava feliz em apresentar à amiga estrangeira um espaço em situação tão precária, “caindo aos pedaços”, com infiltrações nas paredes, rachaduras enormes, e diversos pontos de risco não só para as peças em exposição, como também para os visitantes.
Por incrível que pareça, minha hóspede adorou o Museu – provavelmente pelo acervo incrível que ele possuía –, mas naquele dia eu decidi que, por questões de segurança, não levaria minha filha novamente lá.
Mal sabia eu que, em breve, nem ela, nem nenhuma criança, poderia acessar a mesma experiência que tive quando pequeno. Por mais que eu sentisse que ele estava definhando, nunca imaginei que pudesse ser obliterado da forma que foi.
É uma perda irreparável para o Rio de Janeiro? É. Para o Brasil? É. Para a América Latina? É. Para o mundo? Também. Mas nada se compara ao que as crianças perderam.
Elas, especialmente as mais pobres, perderam um lugar democrático de acesso à história do país e do mundo, de criação de identidade, e de geração de faíscas interiores; aquelas que formam futuros cientistas, médicas, empreendedores e artistas.
É uma perda que nós brasileiros ainda vamos chorar por gerações.
Eu não costumo publicar coisas fora das pautas de tecnologia aqui no blog, mas como pai, pessoa formada em História da Arte, e defensor do patrimônio e memória da cidade (você que é assiduo/assidua no site deve ter percebido pelas fotos que faço nos meus reviews), não poderia deixar o fato passar em branco.