Se você está lendo este artigo é porque provavelmente já se pegou usando o celular enquanto fazia uma refeição, ou pior: foi cutucado(a) por um amigo, parente ou companheiro(a) durante um jantar em que você não saía do Facebook/Whatsapp/Instagram.
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Se identificou, né? Pois então saiba que você faz parte de uma enorme e crescente fatia da sociedade (+ de 35%) que está cada vez mais se afastando da real experiência de comer. Tudo por conta do mundo encantado da telinha do smartphone.
Andei pesquisando bastante o assunto e irei apresentar neste artigo os principais motivos pelos quais comer usando o celular está silenciosamente destruindo um dos principais prazeres da vida.
Não prestar atenção no que está comendo fará você engordar
No ano passado pesquisadores da Universidade de Birmingham realizaram uma série de experimentos e descobriram que pessoas que não dedicam toda sua atenção à comida no momento da refeição – sendo distraídas por TVs, tablets ou smartphones -, estão muito mais propensas a beliscarem algo altamente calórico mais tarde. Seguindo por este caminho as chances de engordar são grandes.
Isso se dá pois a memória do que comemos recentemente é importante para o ciclo do apetite. Se não lembramos do que comemos, para o nosso cérebro é como se não tivéssemos comido.
Todo o processo digestivo está sendo prejudicado
Nossa rotina corrida nos obriga a comer cada vez mais rápido, e o celular ainda piora o cenário agregando mais uma camada de ansiedade e distração no sagrado momento de se alimentar.
Ao comer usando o celular deixamos de prestar a devida atenção à mastigação, o que prejudica a primeira e mais importante etapa da digestão.
A mastigação incorreta causa sobrecarga aos órgãos digestivos, levando à indigestão. Além disso, pessoas que mastigam pouco ou rápido demais perdem o sabor dos alimentos e demoram mais para alcançar a saciedade, o que as leva a comer mais do que deveriam.
Portanto, largue esse smartphone e preste mais atenção na sua mastigação!
Isso não é bom para a postura
Não é difícil perceber que os smartphones estão mudando nossa postura. Basta dar uma volta na rua ou pegar o metrô para ver todos os “corcundas” do século XXI em seu habitat natural.
Na hora do almoço não é diferente: basta entrar em qualquer restaurante para observar uma enorme quantidade de gente curvada, vidradas na telinha do celular apoiado na mesa, enquanto dão garfadas mecânicas em seus pratos.
Muitos já apresentam dores nas costas, ombros e pescoço, porém as ignoram ou simplesmente não associam uma coisa à outra.
As piores consequências para o nosso corpo nós só iremos conhecer em alguns anos ou décadas, E eu não vou pagar para ver.
Não é nada higiênico
Todo restaurante que se preze possui álcool gel disponível para higienização das mãos de seus clientes, seja ele self-service, fast food, a la carte ou “fazemos do seu jeito”.
Agora pensa comigo: se você usa o seu celular o dia inteiro, na rua, no ônibus, no banheiro, ele certamente deve estar cheio de sujeira e bactérias, certo?
Isso significa que, mesmo que você e o restaurante se preocupem com a higiene da sua refeição, você joga tudo no lixo por comer usando o celular.
Você está sendo mal-educado(a)
Todos os tópicos anteriores focam na experiência individual de comer, mas e quando estamos em grupo?
Se você encontra amigos para um jantar ou happy hour e, enquanto todos comem, bebem e conversam você fica ligado(a) na tela do celular, usando aplicativos, compartilhando fotos e conversando no Whatsapp, você está sendo extremamente rude com suas companhias. Mas não se preocupe, isso é fácil de resolver: deixe de ser mal-educado(a) e guarde o celular para depois. Você tem a vida toda para usá-lo.
Agora, quando todos numa mesa estão usando o aparelho em pleno encontro social, a coisa toma outras proporções. Tanto que já existem bares e restaurantes que proíbem o uso de smartphones no recinto.
Segundo estudo realizado pela Virginia Tech, as interações sociais com a presença de smartphones deterioram a empatia entre os indivíduos, baixa consideravelmente o nível das conversas e pode até desgastar relacionamentos duradouros.
Eu sei que o smartphone está repleto de memes, vídeos e coisas legais, eu também tenho dificuldade para me afastar dele. Mas o fato é que esses momentos em que comemos e bebemos com nossos parentes e amigos não voltam mais. E digo mais: são eles que irão compor nossa memória afetiva. Algo que o smartphone é incapaz de construir.
Portanto vamos proporcionar momentos de maior qualidade para as nossas companhias, combinado?
E quem faz a comida, como se sente?
Para apresentar o ponto de vista de quem está na preparação do alimento, nada melhor do que o depoimento de uma renomada Chef de Cozinha. E aí, Ana Zambelli, como você vê essa questão?
Antes de falar dos ponto negativos, gostaria de deixar claro os pontos positivos da presença dos smartphones nos restaurantes: os clientes divulgam nossos pratos através das mídias sociais e são sinceros na críticas, o que nos permite a solução imediata de possíveis problemas. Sentimos a temperatura do nosso trabalho.
Já os pontos negativos inúmeros…
Do ponto de vista emocional, as pessoas não degustam mais como antigamente apreciando o sabor, por que estão ao mesmo tempo respondendo um post no Face ou curtindo algo no Instagram entre uma mastigada e outra.
Comer é um ato mais íntimo que a relação sexual. Você transa usando o telefone? Como seria? Pois é, perdeu aquela coisa da piada do tio… Por que ninguém presta atenção em nada muito menos nos sabores e muitas vezes a comida passa desapercebida.
Óbvio que se estiver muito ruim em algum momento os clientes irão se manifestar, mas eu vejo muita gente comendo comida ruim e dizendo que é boa… Acredito que seja a falta de atenção o que impacta nas sensações gustativas.
Não existe mais o diálogo na mesa. Antes nos reuníamos a mesa para comemorar e a comida era um grande apelo. Hoje qualquer comida serve desde que na casa tenha Wi-fi.
O maior prazer de um chef é ver seu cliente comendo sua comida imediatamente após a preparação, para que quem ingere tenha a textura preservada, o calor e até o sal, que muda de acordo com a temperatura do prato.
Hoje em dia a comida chega à mesa e a primeira coisa que fazem é “Epa, não toca nela! vou postar no Instagram…”. Quando você olha aquilo pela boqueta você pensa: “Pronto! Lá se foi o ponto do meu risoto incrível… A minha carne já esfriou… A massa já está seca… Kkkkkk”.
Eu não sei mais se as pessoas saem para comer porque gostam ou porque querem postar.
Se o post faz sucesso aí é que a coisa desanda de vez: “Opa! 20 likes! Já sou famoso no Instagram!”. E o post vira o papo da noite. No final das contas a comida está fria, o chope quente, o gelo da caipirinha derreteu e o chef sofre, porque chef gosta de marcha! Sai! E come!
Ana Zambelli, Chef de Cozinha e Coordenadora de gastronomia do Hell’s Kitchen Brasil